Desafios do Calor Durante o Hajj: Relatos de Peregrinos em Meca
Durante o hajj em Meca deste ano, peregrinos compartilharam relatos angustiantes sobre as condições extremas de calor enfrentadas durante o ritual sagrado. As temperaturas escaldantes que excederam os 40 graus Celsius tornaram a jornada ainda mais desafiadora para milhões de muçulmanos que participaram da peregrinação anual à cidade sagrada na Arábia Saudita.
Segundo os relatos, muitos peregrinos se viram lutando contra o calor intenso enquanto realizavam os rituais obrigatórios do hajj, como caminhar entre os pilares e se aglomerar em locais sagrados como a Grande Mesquita de Meca. Muitos foram vistos usando guarda-sóis improvisados e se refugiando à sombra sempre que possível, buscando alívio temporário do sol escaldante.
As autoridades sauditas implementaram medidas rigorosas para proteger os peregrinos do calor excessivo, incluindo fornecimento de água fresca e postos de atendimento médico ao longo das rotas do hajj. No entanto, alguns participantes expressaram preocupações sobre a capacidade das infraestruturas existentes em lidar com as altas temperaturas, especialmente durante os momentos de maior aglomeração.
Apesar dos desafios impostos pelo calor, os peregrinos demonstraram resiliência e devoção, perseverando nas etapas do hajj enquanto honravam seus compromissos espirituais. O evento deste ano foi especialmente significativo após a interrupção devido à pandemia de COVID-19, reunindo muçulmanos de todo o mundo para celebrar a unidade e a fé durante um dos pilares mais importantes do Islã.
Yaser, um engenheiro egípcio de 60 anos, participou da peregrinação hajj em Meca na semana passada sem ter conseguido a permissão que vinha solicitando há anos. Agora, ele lamenta profundamente sua decisão.
Apesar de ter passado pelos rituais extenuantes desta cerimônia sagrada muçulmana, Yaser se separou de sua esposa, Safa, no domingo (16), e teme que ela esteja entre as mais de 1.100 pessoas que perderam a vida devido ao calor sufocante.
"Procurei por ela em todos os hospitais de Meca", disse Yaser à AFP por telefone.
Hospedado em um hotel, Yaser reluta em arrumar as malas de sua esposa. "Não consigo acreditar que ela tenha falecido", desabafa.
Um diplomata árabe informou à AFP que os 630 egípcios entre os mortos eram peregrinos clandestinos que não tiveram acesso às tendas climatizadas disponíveis para enfrentar as temperaturas extremas que atingiram 51,8ºC na Grande Mesquita de Meca.
Um alto funcionário saudita disse à AFP nesta sexta-feira (21) que "o Estado não falhou", embora tenha admitido um "erro de julgamento" por parte das pessoas que não avaliaram adequadamente os riscos da situação.
Este ano, o hajj atraiu 1,8 milhão de fiéis, 1,6 milhão deles vindos de outros países, segundo autoridades da Arábia Saudita. As permissões são concedidas por meio de um sistema de cotas por país e, no caso do Egito, são distribuídas por sorteio entre os fiéis.
Muitos peregrinos tentam evitar os circuitos oficiais devido aos altos custos das agências de viagem credenciadas, especialmente desde a introdução dos vistos de turista em 2019 pelo reino.
Segundo o funcionário saudita, o número de peregrinos não autorizados chegou a cerca de 400.000, a maioria de uma nacionalidade específica, possivelmente referindo-se aos egípcios.
Yaser, que preferiu não revelar seu sobrenome, logo percebeu as dificuldades por não ter autorização. Antes mesmo de começar a peregrinação, ele enfrentou recusas de empresas e restaurantes. Durante os ritos, com longas caminhadas e orações sob o sol escaldante, ele teve que pagar tarifas altas para usar os ônibus oficiais, único meio de transporte nos locais sagrados.
Extenuado pelo calor, ele foi ignorado em um hospital onde buscava ajuda e acabou se perdendo de sua esposa na multidão durante o ritual de "apedrejamento do diabo" em Mina, próximo a Meca.
Desde então, adiou várias vezes seu voo de volta.
Outros peregrinos egípcios clandestinos relataram à AFP dificuldades semelhantes e cenas dramáticas durante os rituais em Mina.
"Vi corpos no chão. Vi também pessoas desmaiando repentinamente e morrendo de exaustão", conta Mohamed, 31 anos, um egípcio residente na Arábia Saudita que fez o hajj com sua mãe de 56 anos.
Uma egípcia relatou ter visto sua mãe falecer antes que a ambulância chegasse para socorrê-la, e que seu corpo foi levado para um local desconhecido.
"Não temos o direito de vê-la mais uma vez antes do enterro?", questionou.
Mesmo peregrinos autorizados enfrentaram dificuldades para acessar serviços de emergência, evidenciando a sobrecarga do sistema, conforme relatou Mustafa, cujos pais, ambos com permissão, faleceram após se separarem dos familiares que os acompanhavam.
"Sabíamos que estavam cansados", diz ele por telefone, do Egito. "Caminharam muito, não encontraram água e o calor estava insuportável. Nunca mais os veremos", lamenta, destacando que seu único consolo é que seus pais foram enterrados em Meca, a cidade mais sagrada do Islã.
Redação ANH
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